BRT ABC – O Corredor que prometeu integração, mas pode entregar segregação – Parte 1

Uma obra que nasceu como símbolo de modernização e rapidez pode se tornar um retrato da desarticulação metropolitana

Anunciado como a grande solução para conectar o Grande ABC à capital paulista, o BRT ABC prometia rapidez, conforto e integração. Um corredor moderno de 17,3 km, com ônibus elétricos articulados, viagens expressas e a promessa de chegar do Terminal São Bernardo ao Terminal Sacomã em apenas 40 minutos.
Mas, entre anúncios e adiamentos, o que se vê hoje é um projeto envolto em incertezas e silêncios — especialmente sobre seu ponto final e sua integração com o sistema de transporte de São Paulo.


O ponto cego: o desaparecimento gradativo do Terminal Sacomã

Desde o início, o Sacomã era a joia do projeto. Um terminal que conecta diretamente à Linha 2-Verde do Metrô e ao Expresso Tiradentes, funcionando como uma das portas de entrada mais eficientes da capital.
Porém, nos últimos meses, evidências técnicas e institucionais apontam que o traçado final pode ter sido alterado, deixando o Sacomã fora do serviço expresso e transferindo o ponto final para a Estação Tamanduateí.
Essa mudança, nunca oficialmente comunicada, levanta questionamentos: por que o principal ponto de conexão com o Metrô teria sido suprimido? E por que não há explicações públicas sobre o redesenho?

A ausência de um projeto claro para a chegada do BRT ao Sacomã — ou de qualquer nova estrutura de integração na região — indica que essa mudança foi feita de forma tácita, sem transparência.
Se confirmada, a alteração representa uma perda significativa para o passageiro, que terá de realizar uma baldeação mais complexa e possivelmente mais cara.


Estrutura limitada e possível uso compartilhado

Uma das opções consideradas, mas não esclarecidas, é que o BRT ABC utilize um dos lados da plataforma intermunicipal já existente no Terminal Sacomã, o que exigiria o seccionamento de algumas linhas e o afunilamento operacional de outras no mesmo ponto.
Nessa configuração, a operação do BRT seria segregada da malha comum por gradis, modelo semelhante ao aplicado no pré-embarque da linha 288, no Terminal Ferrazópolis, em São Bernardo do Campo.
Contudo, as próprias condições estruturais observadas no terminal deixam evidente que o espaço atual não comporta o volume de passageiros e veículos previstos para o novo sistema.
A ausência de transparência da ARTESP e do BRT ABC através da NEXT Mobilidade (ABC Sistema de Transporte – SPE SA) quanto ao projeto final e às intervenções previstas nessa ponta do eixo apenas reforça a incerteza sobre como a integração será viabilizada na prática.

Integração que não se conversa

Além da indefinição sobre o traçado, outro ponto crítico ameaça o futuro do BRT: a ausência de integração tarifária e operacional com o sistema de São Paulo.
O transporte metropolitano é de responsabilidade da ARTESP(órgão do Estado), enquanto os ônibus municipais e terminais são geridos pela SPTrans, da Prefeitura de São Paulo.
Mas, até o momento, não há qualquer acordo formal, projeto ou sequer tratativa entre as duas esferas sobre como o passageiro poderá fazer a integração.

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Em nota emitida por telefone, a SPTrans afirmou desconhecer qualquer projeto de reforma ou adequação estrutural no Terminal Sacomã motivada pela chegada do BRT ABC, bem como negou a existência de qualquer plano de integração física ou tarifária entre o BRT e a malha de transporte municipal.
A declaração reforça o vácuo de coordenação institucional e expõe um descompasso grave entre o planejamento estadual e a operação do sistema paulistano.
A ARTESP e a NEXT Mobilidade (ABC Sistema de Transporte – SPE SA) não se pronunciaram sobre o tema.

Atualmente, existe uma integração gratuita entre os sistemas municipal (SPTrans) e intermunicipal (EMTU) no próprio Terminal Sacomã, feita por meio dos validadores de transbordo instalados no mezanino, que aceitam o Bilhete Único e o Cartão TOP.
No entanto, a funcionalidade é pouco divulgada e apresenta falhas recorrentes nos equipamentos, o que gera confusão e transtornos aos passageiros.
A situação reforça a percepção de que, mesmo onde há tentativas de integração, a comunicação com o usuário e a confiabilidade operacional ainda são frágeis — um alerta importante diante da chegada do BRT.


De promessa a incerteza

O BRT nasceu após o cancelamento da Linha 18-Bronze do monotrilho, em 2019 — um projeto que, embora mais caro, oferecia integração tarifária garantida e capacidade superior. Quando o governo estadual anunciou o BRT em 2021, a promessa era de uma alternativa mais ágil e barata, operada por 82 ônibus elétricos, com três terminais e capacidade para até 173 mil passageiros por dia. O projeto só foi viabilizado graças a um aditamento contratual firmado com a concessionária Metra, que passou a abranger toda a operação metropolitana do ABC Paulista e a execução do novo modal, com vigência estendida até 2047. Por meio desse aditamento, foi criada a empresa de Sociedade de Propósito Específico (SPE) ABC Sistema de Transporte S.A., que opera sob o nome fantasia Next Mobilidade.

Mas as promessas ficaram no papel.
Desde então, o projeto já sofreu cinco adiamentos, o último empurrando a entrega total para junho de 2026.
As justificativas vão desde atrasos em licenças ambientais até “ajustes no projeto original” — expressão usada para justificar a inclusão tardia de viadutos e pontes que não constavam no plano inicial.

Cada revisão representa não apenas um cronograma perdido, mas mais tempo de espera para os 1,5 milhão de habitantes do ABC, que continuam sem uma alternativa eficiente de ligação com São Paulo.


O custo da descoordenação

A desarticulação entre Estado e Município não é apenas técnica; é social.
Sem integração tarifária, um trabalhador de São Bernardo que precisar chegar à Vila Mariana, por exemplo, pode gastar o dobro por dia.
O que deveria ser um símbolo de eficiência e sustentabilidade corre o risco de se transformar em um corredor caro e subutilizado, incapaz de competir com as atuais opções de ônibus intermunicipais.

Enquanto isso, a Next Mobilidade — concessionária responsável pela obra e pela operação — segue sob fiscalização da ARTESP, mas as medidas de acompanhamento são vistas como reativas, não preventivas.
A cada novo atraso, surgem comunicados genéricos e cronogramas revisados, mas sem detalhamento público das alterações no escopo ou das sanções aplicadas.

Referências Documentais e Midiáticas

Caso você, leitor, deseje se informar mais ainda sobre o tema, como ver a planta das estações, analisar os documentos de concessão ou conferir uma análise aprofundada do projeto, seguem abaixo algumas de nossas principais referências para esta primeira parte da reportagem.

TemaFonte
Projeto Inicial e Promessa de VelocidadeEMTU e Diário do Transporte
Escopo e ContratualizaçãoDiário Oficial do Estado / Termo Aditivo nº 13/2021
Atrasos e Revisão de PrazoReportagens e Notas da ARTESP (2025)
Divergência de Traçado e SacomãDocumentação EMTU (Recente)
Análise de Viabilidade (Monotrilho)Análises Setoriais (Metrô CPTM)

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